"Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem daquele « nós-todos », formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social." Bento XVI - Carta Encíclica Caritas in Veritate
Levei hoje ao Lar de Belmonte,uma Senhora com 94 anos, toda curvadinha ,mas bonita e corajosa para se atrever a fazer a viagem para ir visitar uma prima direita, criadas como se irmãs fossem, e que ali está recolhida.
Hoje dia 2 de Agosto, pleno Verão do ano 2009.
Chegámos a Belmonte pelas 16h30 com o calor próprio da hora e da data. Procurámos onde era o Lar e lá chegámos. Descemos a rampa ajudada a Senhora pelo meu braço e pela sua bengalinha. Já eram então 17h30. Depois de alguns minutos de troca de palavras com as pessoas que ali se encontravam, na maioria idosos, fomo-nos apercebendo que a hora da visita já tinha terminado. Pedi então a uma funcionária que permitissem que a Senhora saudasse a sua prima, que lhe fosse permitido "ao menos dar-lhe um beijo" como ela pedia. Lá me informou que a Senhora internada tinha ido para a cama às 17h00 (de uma clara tarde de Verão) e que ia chamar um enfermeiro, que estava ocupado e viria dentro de um bocadinho. Deixei a Senhora sentada na entrada e fui visitar o Museu. Voltei passado meia hora. A visita não tinha sido autorizada. Insisti. Com aquela força que nos dá a caridade - palavra estafada e à qual Bento XVI pretende restituir os eu verdadeiro significado, o amor, o amor pelo outro, amor que é justiça.
"Nada, não há excepções"- não interessa a idade da visitante, nem a dificuldade em se deslocar ,cumpre-se o regulamento. Um Regulamento feito em nome das Pessoas, contra elas ! Um Regulamento que não admite excepções! Um Regulamento de um "LAR", ou de uma "PENITENCIÁRIA" ?
-"Ao que chegamos", dizia a Senhora quando infinitamente triste e com a boca amarga se retirava da Instituição. Deveria dizer antes " onde ainda estamos no tratamento dos idosos"!!! Será difícil imaginar a importância que tem ver um familiar ou um amigo quando se tem 94 anos?
É em defesa do Bem-Comum que denuncio a situação. Estavam comigo duas amigas que ficaram igualmente chocadas. E lá pensámos todas, o que vai ser de nós, se chegarmos a necessitar de um internamento numa tal instituição. Eu acho que preferirei a berma da estrada, pelo menos toda a gente me verá e sempre pode passar um bom samaritano.
Os utentes deste como dos outros lares vivem aterrorizados de medo. Com os seus familiares passa-se exactamente o mesmo - dependem da boa vontade de quem ali manda, não vão as represálias fazer-se sentir sobre o seu idoso ou não lhe entre o mesmo pela porta da sua casa adentro. Foi assim que se permitiu que Hitler dominasse. Cada um tinha medo e pensava que talvez as coisas ficassem pelos outros desde que colaborassem.
Senhor Provedor daquela Santa Casa da Misericórdia - saberá o que quer dizer Misericórdia? O senhor quer submeter-se a este Regulamento quando for velho e sem ninguém para lhe valer?
Enquanto não vemos que "o outro" "sou eu", só enxergamos o nosso umbigo. E queremos ordem e em nome da ordem deixamos de ser Homens. Deixo-lhe a si a escolha daquilo em que nos transformamos.