terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A crise

Análise da Sociedade Portuguesa
  • Podia ser de hoje, com poucas diferenças, mas este texto foi escrito em Junho 2005


Desemprego anunciado

Recebo todos os meses uma newsletter sobre tendências do consumo. A deste mês, Junho de 2005, era essencialmente sobre os nichos de mercado, sobre o fim do consumo de massas, sobre o primado do consumidor num mundo ocidental onde há excesso. Este tipo de fins anunciados exercem sobre muita gente um efeito de cataclismo previsível e ao qual é impossível escapar.
Sempre que surge uma novidade tecnológica, científica, social, política, anuncia-se o fim de qualquer coisa, como se essa novidade destronasse radical e imediatamente o que estava em uso, ao qual não resta outra opção senão sumir-se, como se fosse possível cortar assim com o passado. Quando a televisão surgiu anunciou-se o fim do cinema, o fim da rádio. Passaram décadas e o cinema aí continua bem vivo, com as suas sessões de Óscares e a rádio continua a acordar-nos e a ser a nossa companhia nas viagens de automóvel; deixaram de ter exclusividade, foram forçados a adaptar-se. Com a Internet anunciou-se o fim dos livros e das livrarias; e houve lugar para se formar a Amazon.com.
Como diz Karl Popper, “nós criamo-nos a nós mesmos através da invenção da linguagem especificamente humana”. A linguagem cria a realidade, se nos deixarmos empurrar por ela, acreditando que o que se diz que vai acontecer, já é. Para Popper “a actividade, a desordem, a procura, é essencial à vida ".
Vem isto a propósito da abertura das fronteiras à China e do fim, anunciado há 10 anos, para os têxteis portugueses. Com certeza que não só para os têxteis, porque um elefante daquele tamanho, ao entrar num charquito como é a Europa, pode bem esvaziá-lo, se em todo o lado o processo tiver o tratamento que tem tido em Portugal. Ou seja, não escaparão os fabricantes de telemóveis suecos, nem os agricultores franceses, nem os construtores de automóveis alemães ou os relojoeiros suíços, a menos que já se tenham deslocalizado e estejam a fabricar lá. Assim sendo, talvez mantenham o negócio, mas não os postos de trabalho aqui na Europa. E à China podemos juntar a Coreia, o Taiwan e o Japão. Trabalho só existirá no Oriente. Mas como só o trabalho gera riqueza, na Europa restarão muito poucos ricos (os donos do capital que se deslocalizaram) e tão poucos serão, que este mercado deixará de ter interesse para aqueles Mamuts .
Grande parte dos portugueses, em virtude dos governos que têm tido e por força dos meios de comunicação, andam assarapantados e estão imobilizados, à espera que D. Sebastião saia do nevoeiro para lhes apontar o caminho que devem seguir. Como em 1871 dizia Antero de Quental ”é o abatimento, a prostração do espírito nacional. Acostumado o povo a servir, quebrou a energia das vontades, adormeceu a iniciativa”.
Qual nicho de mercado, qual estratégia possível ! Até os universitários, que supostamente sairão das universidades razoavelmente bem preparados para trabalhar e serem agentes modificadores do meio-ambiente, até esses, que estão a ser armados com a única armadura resistente para o nosso tempo, que estão a ser dotados de uma herança não perecível, os nossos jovens, a quem normalmente era necessário recomendar prudência, por lhes ser natural o gosto pelo risco, até eles estão aterrados, com medo de não arranjar trabalho, já mentalmente convencidos que o futuro será pior do que o passado.

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