quinta-feira, 27 de junho de 2019

CANTIGA ALHEIA

Pastora da serra,
da serra da Estrela,
perco-me por ela.

Voltas

Nos seus
olhos belos
tanto Amor se atreve
que abrasa entre a neve

quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela.

Não teve esta serra,
no meio da altura,
mais que a
fermosura

que nela se encerra.
Bem céu fica a terra
que tem tal estrela:
perco-me por ela.

Sendo entre pastores
causa de mil males,
não se ouvem nos vales
senão seus louvores.
Eu só por amores
não sei falar nela:
sei morrer por ela.

De alguns que, sentindo,
seu mal vão mostrando,
se ri,
não cuidando
que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
só meus males dela
,
perco-me por ela.

Se flores deseja,
(por ventura delas)
das que colhe, belas,
mil morrem de enveja.
Não há quem não veja
todo o milhor nela:
perco-me por ela.

Se na água corrente
seus olhos inclina,
faz luz cristalina
parar a corrente.
Tal se vê que sente
por ver-se água nela:
perco-me por ela.

Luís de Camões