sábado, 6 de setembro de 2008

Maus Tratos na Velhice


Ensinar a Envelhecer

Acabei de ler um artigo acerca da violência exercida sobre os idosos o qual motivou esta reflexão,que procurei que não fosse enviesada ou unilateral. Dela vos dou conta.

Tratam-se mal as pessoas e, tanto pior, quanto menos autonomia tiverem, daí as maiores vítimas serem as crianças, as mulheres e os idosos. É um facto que na nossa sociedade existe muita violência e que em muitos lares se tratam mal os idosos como noutros contextos se tratam mal as crianças e as mulheres.Os profissionais dos lares estão muito longe de terem a preparação adequada às suas ocupações. O próprio lar, com a sua obrigatoriedade de horários e modos de viver, representam uma ressocialização numa idade em que tal é inadmissível e impossível de aceitar,o que já constitui uma agressividade e prepara um clima de resposta violenta. Por isso não admira ouvir dizer a uma interna de um lar, ainda lúcida, ao regressar depois de um dia passado em família, “lá vou eu para o Tarrafal”. De facto, na nossa sociedade, já não existe outra forma de viver comunitária, obrigatória e arregimentada, senão a dos lares e das prisões. Portanto, a comparação que choca os filhos ou os netos, é muito correcta. Este é um dos motivos porque defendo os aldeamentos com pequenos apartamentos independentes e auxílio doméstico disponível, por forma a manter, “as long as possible”, a autonomia dos residentes.

Mas, a moeda também tem a outra face. A nossa sociedade, continua a cultivar o mito da juventude. Ninguém aprende a ser velho e ninguém ensina as pessoas a envelhecer com dignidade. Também existem por aí muitos idosos que destroçam os filhos, os parentes ou empregados que os tratam, com uma violência psicológica, que por vezes é pior do que a física e não são tão poucos esses casos.
Aristóteles tem um pequeno texto que vou transcrever, muito cruel, mas que frequentemente verificamos ser muito verdadeiro. Ao fazê-lo, apelo a que seja ensinado a envelhecer docemente, a manter a autonomia e cidadania até o mais tarde possível, mas preparando as pessoas para se não transformarem em tiranos egoístas, porque o outro ou outros, não são culpados da velhice e nada podem fazer para o impedir. Logo chegará o seu tempo de envelhecer também, por isso não vale a pena invejá-los. Ensinamos as crianças a tornarem-se adultos, devemos ensinar os adultos a envelhecer sem revolta, nãoa fingirem que não envelhecem. Sugiro mesmo que esta deveria ser a disciplina obrigatória em todas as universidades da terceira idade.


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13 – O Carácter do Idoso

Tal é pois, o carácter dos jovens. Os idosos, pelo contrário, e os que já passaram a flor da idade, possuem caracteres que, na sua maior parte, são pouco mais ou menos os opostos daqueles. O facto de terem vivido muitos anos, de terem sido enganados e cometido faltas em diversas ocasiões, e, ainda porque, por via de regra, aquilo que fazem é insignificante, em tudo avançam com cautela e em tudo dizem menos do que convém. ...Também têm mau carácter pois ter mau carácter consiste em supor sempre o pior em tudo. Além disso são suspicazes devido à sua desconfiança, e desconfiados devido à sua experiência. ... E são de espírito mesquinho por terem sido maltratados pela vida; por isso, não aspiram a nada de grande, nem de extraordinário, só ao que é indispensável à vida. Também são mesquinhos, porque os bens são indispensáveis à vida, mas, ao mesmo tempo, sabem por experiência como é difícil adquiri-los e fácil perdê-los. São cobardes propensos a recear tudo, pois as suas disposições são contrárias às dos jovens. ... Vivem mais virados para o útil do que para o belo, razão pela qual são egoístas; é que o útil é um bem só para nós mesmos, ao passo que o belo é um bem absoluto. Os velhos são mais impúdicos do que púdicos; e porque não têm na mesma consideração o belo e o conveniente, não fazem grande caso da opinião pública. São pessimistas em razão da sua experiência (já que a maior parte das coisas que acontecem são más: com efeito, a maior parte das vezes as coisas tendem para pior), mas também devido à sua cobardia...
Os acessos de cólera são agudos, mas frágeis; e quanto aos seus desejos, uns já os abandonaram, outros são fracos; por conseguinte nem são propensos aos desejos, nem procuram satisfazê-los, mas agem segundo o seu interesse. Esta é a razão pela qual os que atingem a velhice parecem moderados: é que os seus desejos afrouxam e são escravos do seu proveito...Se cometem injustiças é por malícia, não por insolência. Os idosos também são compassivos, mas não pelas mesmas razões que os jovens: estes são compassivos por humanidade, aqueles por fraqueza; com efeito, em tudo vêem um mal que os ameaça, facto que como vimos os inclina à compaixão.(Par.8)Por isso, andam sempre a queixar-se, não gostam de brincadeiras, nem de rir: é que gostar de se lamentar é o contrário de gostar de rir.
Tais são, pois, os caracteres dos jovens e dos velhos. Por conseguinte, como todos aceitamos favoravelmente discursos que são conformes ao carácter de cada um e dos que nos são semelhantes, não é difícil descortinar como é que as pessoas se podem servir destes discursos para, tanto nós, como as nossas palavras, assumirem tal aparência


ARISTOTELES, 2005, RETORICA , Volume VIII, Tomo I, Imprensa Nacional Casa da Moeda


Há muito trabalho a fazer no sentido de preparar e prevenir esta “Vaga Gris” que se avizinha. Ele não pode incidir apenas numa das frentes desta vasta problemática dos idosos.




Pastora

3 comentários:

Anónimo disse...

Absolutamente de acordo com a Pastora!
Todos ouvimos falar nos maus tratos,abandono e pobreza a que muitos dos nossos velhos são votados,quer no seio da família, quer em lares que muitas vezes não são mais do que depósitos de pessoas sem o mínimo de condições.
Mas também sabemos de outros,a quem a família presta todo o apoio com carinho e abnegação,e que,no entanto,tornam egoísticamente a vida de quem os rodeia num inferno,por não serem capazes de aceitar como naturais as limitações que a idade lhes traz.
Se todos estivéssemos bem preparados para essa etapa inevitável da nossa vida,talvez não viessemos a fazer parte do segundo grupo.As UTIS podem contribuir grandemente para isso.

Pastora disse...

Viva Beirã atenta

Pois é. De repente a comunicação toma um partido, adopta uma causa e mete tudo no mesmo saco. Este tipo de atitude deseduca. E como diz o poeta "o que faz falta é avisar a malta". Façamo-lo já que temos tempo.
Obrigada pelo apoio

Pastora

Fernando d'Almeida disse...

E do teu sonho, fez-se o mar. As partes em terra? São diamantes em bruto. Sonhos ainda não desfeitos, cursos de medicina não tirados. À medida que os sonhos vão sendo engarrafados, a Terra vai-se enchendo de mar.
Contrariando a teoria do aquecimento Global.

Beijo, Pastora=) Passa cá!